E ainda dizem que vivemos em uma “democracia...”
Trechos do testemunho da escritora, proeminente democrata e ativista popular indiana Arundhati Roy às jornalistas Amy Goodman e Anjali Kamat.
Extraído da página na internet revolucionnaxalita.blogspot.com, traduzido e adaptado por A Nova Democracia
Pergunta: Seu último artigo publicado na Índia se denomina “Caminhando com os camaradas”. Comece por nos dizer o que está acontecendo nas selvas da Índia. O que é esta guerra que o Estado indiano deflagrou contra alguns dos mais pobres, povos conhecidos como tribais, os adivasis. Quem são os maoístas? O que está se sucedendo ali?
Arundhati Roy: Vejam bem, isto vem ocorrendo há bastante tempo, mas basicamente há uma conexão. Se observarmos o Afeganistão, Waziristão, os estados do nordeste da índia e todo o cordão de minérios que vai de Bengala Ocidental através de Jharkhand, o de Orissa a Chhattisgarh, este lugar que chamam de Corredor Vermelho, nos daremos conta de que estamos diante de uma insurreição tribal.
Estamos falando de uma insurreição radical de esquerda. Mas o ataque que estes pobres sofrem é o mesmo que no Afeganistão. É um ataque corporativo o que se passa contra esta gente. A resistência tem tomado diferentes formas.
Nos últimos cinco anos os governos dos diversos estados por onde passa o Corredor Vermelho, (onde concentram-se as jazidas de minerais, os povos tribais e os maoístas), têm firmado memorandos de acordo, tratados pela sigla MOU, com corporações mineradoras no valor de milhões de dólares. Ironicamente poderíamos dizer que esse é um corredor “MOUista”, tal como por outro lado a resistência forma um “corredor maoísta”.
O intrigante é que muitos desses memorandos foram firmados em 2005. Foi justamente quando este governo havia chegado ao poder e o primeiro ministro Manmohan Singh anunciou que os maoístas constituem na Índia “a maior ameaça para a segurança nacional”. Foi muito estranho que dissesse isso, porque na realidade os maoístas haviam sido dizimados no Estado de Andhra Pradesh. Penso que haviam matado uns 1.600. Mas quando isso ocorreu, as ações das companhias mineradoras subiram de preço. Este foi um sinal óbvio de que o governo estava disposto a fazer algo a respeito. Então começou o ataque contra os maoístas batizado Operação “Caçada Verde”, que agora mobiliza dezenas de milhares de tropas paramilitares contra estas áreas tribais.
Antes da Operação “Caçada Verde”, as forças repressivas formaram uma espécie de milícia tribal, respaldada pela polícia, em um Estado como Chhattisgarh, lugar para onde viajei recentemente. Estas milícias queimaram uma aldeia atrás da outra, umas 640 aldeias foram esvaziadas (e seus moradores expulsos ou massacrados).
O plano era criar o que o Estado indiano chama de “aldeias estratégicas”. O mesmo que os ianques fizeram no Vietnã e os britânicos fizeram na Malásia. Se trata de obrigar a população a ingressar em campos de concentração para poder controlá-los. Dessa forma, as aldeias circundantes se esvaziavam e as selvas ficavam livres para a entada das corporações estrangeiras.
O que aconteceu realmente em Chhattisgarh foi que perto de 350 mil pessoas, ou seja, umas 50 mil famílias, foram deslocadas para esses campos. Algumas foram obrigadas, outras voluntariamente. O certo é que os maoístas estão em toda essa área ao longo de trinta anos trabalhando com o povo.
A Operação “Caçada Verde” foi lançada porque essa milícia paramilitar chamada Salwa Judum fracassou. Agora o Estado indiano está aumentando as apostas pois os famosos “memorandos” estão à espera e as corporações estrangeira não estão acostumadas a esperar. Há muito dinheiro em jogo.
Por isso dizemos que não estamos denominando esta operação de “guerra genocida” livrescamente ou retoricamente. Eu estive nessa área e o que se vê lá é a gente mais pobre deste país, um povo que está fora do alcance do Estado. Não há hospitais, não há educação, não há nada. E agora há uma espécie de cerco no qual o povo não pode sair para ir ao mercado comprar algo porque eles estão cheios de policiais e agentes da inteligência que informam que tal ou qual pessoa está com a resistência.
O povo sofre de fome extrema e desnutrição. De modo que isso não é apenas matar. Não se trata apenas de queimarem e matarem. Eles estão cercando uma população muito vulnerável, isolando-a de seus recursos e expondo-a a uma penosa ameaça.
E ainda dizem que vivemos em uma “democracia...”
Capa da revista Outlook com o relato de Arundhati Roy
"Caminhando com os camaradas"